Descobrindo o lado não tão fofo das corujas

     Era dia sei lá do mês sei lá. O ano eu lembro, 2017, se serve de consolo, lembro que foi nos últimos meses do ano, entre outubro e dezembro. Eu trabalhava numa fábrica, e sempre me empolgava quando podia sair do escritório e caminhar um pouco no chão de fábrica, sempre fui muito curiosa. Geralmente eu ia sempre nos mesmos lugares, então fiquei empolgada por ir a um lugar diferente, especialmente por ser do outro lado da fábrica, quase no final. Eu conseguiria ver praticamente de tudo. Tinha tudo pra ser perfeito.

    Lembro que fiz algumas tarefas no computador, desci para entregar uns documentos até que minha mentora me chamou para falar sobre essa missão de ir no bombeiros, ela foi explicando e eu fui ficando mais empolgada, resolvi fazer isso antes do horário de almoço. Engraçado que não lembro do dia e da data, mas lembro do horário. Saí faltando alguns minutos para às dez. Pela descrição da minha mentora, e por ter visto a planta da fábrica várias vezes, tinha noção de onde ficava o prédio. Fácil. Resolvi ir pelo interior da fábrica e foi a pior decisão que poderia ter tomado.

    Caminhei, caminhei caminhei e caminhei, assim que decidi parar para perguntar a primeira pessoa que vi, ela me informou onde eu estava e o que eu tinha que fazer para seguir até o prédio. Parei para olhar as horas e eu estava caminhando por vinte minutos. Vinte minutos e eu estava na metade do caminho, com o rosto já rosado e começando a arder, mas ainda empolgada, afinal estava vendo muita coisa da fábrica, não tinha visto quase nada ainda.

    Eis que andando avistei uma coruja numa placa enorme. Dei de ombros. Era uma coruja, uma criaturinha fofa e inofensiva. Afinal, eu li Harry Potter, sou especialista em corujinhas, esses animais maravilhosos e fofos e dóceis. Mas não esse ser. Esse ser estava possuído pela ragatanga, ainda estava a sete metros da placa e ela virou o pescoço. Tomei um susto e parei, mas segui adiante, afinal que coruja não virava a cabeça daquele jeito, né?

    Até que ela começou a piar, piar muito alto, daí eu comecei a andar um pouquinho mais para o lado, para a pista. Então ela começou a bater as asas. Dane-se a regra de não correr dentro da fábrica. Dane-se a regra de andar nas faixas, corri no meio da pista para uma distância segura. Mas eu ainda tinha a missão. Precisava chegar ao bombeiros, dar a volta pelo outro lado da fábrica estava fora de cogitação. O prédio de bombeiros ficava pouco depois da curva, mas eu precisaria passar pela faixa, consequentemente pela coruja que estava querendo me comer viva.

    Foi um ótimo momento para a minha cabeça lembrar de um dos vários casos criminais que leio, assisto e escuto sobre uma mulher que foi morta por um ataque de coruja. Ótimo, era o que eu precisava pra me manter calma. Esperei, torcendo para a criatura se acalmar ou sair dali, de preferência para a floresta que ficava logo após a cerca da fábrica. Mas ela apenas abaixou as asas e parou de piar.

    Resolvi seguir, no meio da pista, ainda tensa. Eu olhando pra ela, ela olhando pra mim. Até que na metade do caminho ela começa a piar e bater as asas freneticamente. Eu não tinha muita escolha: corri. Corri como se minha vida dependesse disso, e talvez dependesse mesmo. Olhei só uma vez para trás, vi um vulto e resolvi correr mais rápido, mas o sol, a caminhada que eu dei antes e o fato de estar completamente fora de forma estava tornando aquela corrida toda um sacrifício. Olhava de um lado a outro ninguém além de paredes, do outro lado uma cerca... com mais uma coruja, e atrás a floresta. 

    Corri e cheguei até o bombeiros. Provavelmente me acharam uma doida. Bela apresentação, estava suada, com o rosto vermelho, uma cara de desespero. Vi que um deles me deu um sorriso solidário, perguntei se ali era o corpo de bombeiros. 

- Sim... - apontou a enorme placa escrita "Corpo de Bombeiros".

    Levei as mãos ao rosto morta de vergonha. Pedi uma água, e tirei meu celular do bolso para olhar as horas. Eram quase doze horas. Quando me perguntaram o que vim fazer ali me deu um branco. Eu só pensava na maldita coruja, o que eu tinha ido fazer ali tinha virado algo secundário... terciário, demorei muito muito tempo para tentar me lembrar o que raios tinha ido fazer ali, e minha memória não é ruim mas passei a escrever nas notas do celular só em caso de alguma "aventura" como aquela.

    Depois perguntei sobre o caminho de volta. Foi aí que eu me lembrei do ônibus que rodava pela fábrica. 

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